Israel e suas defesas
- 24 de jun.
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A guerra com o Irã trouxe à tona as defesas de Israel e seus mecanismos. Há gente que desconfia da sua eficiência, gente que a exalta como infalível e gente que é curiosa quanto ao seu funcionamento. Aqui nós explicaremos passo a passo como ela funciona, com detalhes.
A defesa civil de Israel - processo histórico
Grande parte do orçamento do Ministério da Defesa de Israel é direcionado à defesa da população civil. A construção de abrigos públicos, por exemplo, começou já nos anos 1950, a prioridade eram as cidades próximas às fronteiras. Em 1951, passou a Lei da Defesa Civil, que obrigava os municípios a construir abrigos públicos. Após a Guerra dos Seis Dias (1967), houve uma política mais clara e sistemática de construção e regularização dos abrigos em todo o país.
Em 1985, foi aprovada uma lei no parlamento que obrigava qualquer novo edifício construído a ter um abrigo, geralmente no subsolo de prédios altos. Antes dessa data já havia prédios com bunkers, mas não era uma estrutura obrigatória. Foi somente após a Guerra do Golfo (1991), quando o Iraque lançou 39 mísseis Scud contra Israel, que tornou-se obrigatório em cada nova unidade habitacional a existência de um quarto protegido, revestido de ferro, que pudesse resistir a um bombardeio. O mamad (ממ"ד) está presente em todos os apartamentos do país construídos desde 1992. A janela tem uma proteção especial, a porta é pesada e de ferro, e em alguns apartamentos há, inclusive, uma saída para filtrar o ar em caso de guerra química. Veja abaixo.
Os quartos protegidos não foram a única medida tomada após a Guerra do Golfo: o país passou a investir em um sistema de interceptação de mísseis, como o Arrow e o Funda de David, que foram modernizados e hoje são utilizados no combate aos mísseis balísticos do Irã. São sistemas modernos, tecnologia israelense, que é direcionada a mísseis balísticos.
Nos anos 2000, grupos terroristas como o Hamas desenvolveram a fabricação de morteiros e foguetes contra populações de colonos de dentro da Faixa de Gaza (pré-2005) e no entorno da região. Este foguetes, com baixo custo de produção, causavam enormes danos e um número considerável de mortos e feridos. Em 2006, a Segunda Guerra do Líbano mostoru qual poderia ser a dimensão do problema, quando milhares de foguetes Katyusha foram disparados contra o norte do país. O então ministro da Defesa, Amir Peretz (Partido Trabalhista), que havia sido prefeito de Sderot (cidade mais próxima da Faixa de Gaza), autorizou o desenvolvimento do sistema anti-foguetes Domo de Ferro. Além disso, o Estado autorizou a construção de bunkers em pontos de ônibus, parquinhos de crianças e outros locais nas cidades e povoados na região do Envelope de Gaza. O Domo de Ferro é uma tecnologia isralense, a primeira com capacidade de interceptar fogueres pequenos que voam a baixas alturas, e foi muito eficiente nos embates contra o Hamas desde 2012 - é por isso que você o conhece.
Custo dos programas
O investimento na criação do Domo de Ferro custou, naquele momento, cerca de 4% do orçamento anual de defesa por quatro anos (um total de 1,6 bilhão de dólares). Mesmoa após ser produzido, os valores ainda são altos: cada foguete interceptado pelo Domo de Ferro custa cerca de 50 mil dólares aos cofres públicos. No entanto, nada comparado ao custo dos outros programas de interceptação: um míssil balístico interceptado pelo Arrow 3 custa 2 milhões de dólares, pelo Arrow 2 sai por 1,5 milhão de dólares. Já a Funda de David tem um custo de 1 milhão de dólares por interceptação.
Em 2024, cerca de 8% do orçamento de 18 bilhões de dólares do Ministério da Defesa de Israel foi direcionado para os sistemas de interceptação de mísseis e foguetes. Outros 1,5% do orçamento foram destinados ao Pikud HaOref, o Comando de Retaguarda da Frente Interna das FDI, que se encarrega de orientar a população civil, soar o alarme e zelar pela sua segurança.
O sistema de proteção da sociedade civil pode não ser infalível, mas evita um grande número de perdas humanas. Hoje mesmo, estão sendo desenvolvidas estruturas para quartos protegidos mais seguros contra mísseis balísticos, que deverão ser vistos nas construções de agora em diante.
Como funciona a interceptação?
Comecemos pelo Domo de Ferro: lançado em 2011, tem um sistema sofisticado de raatreamento por radar, que identifica de forma automática onde o foguete colidirá. Em caso de disparo contra locais abertos, não povoados, ele sequer aciona o alarme. Caso o radar identifique que o trajeto do foguete tem um alvo civil ou militar, é acionado o direcionamento e um soldado deve disparar o míssil Tamir, que intercepta o foguete. O aproveitamento é de 96%.
Contra os mísseis balísticos, o Domo de Ferro é uma ferramenta apenas secundária. Os mísseis iranianos, além de possuírem uma carga de combustíveis explosivos muito maior do que os foguetes Qasam ou os Katyusha (pode chegar a 800 kg), é necessário um míssel mais potente para interceptá-lo. Além disso, os mísseis balísticos saem do limite da atmosfera, podendo atingir uma altura de 700 km, e faz-se necessário um sistema que possa trabalhar nessas condições.
A defesa de Israel contra os mísseis balísticos se faz por camadas. A primeira delas, a observação por satélite, que permite detectar o lançamento antes dele ser efetuado e preparar a defesa. Os EUA e outros países cooperam com informações dos seus satélites, para que os disparos sejam identificados.
A segunda camada se dá através do Arrow 3 (em hebraico Chetz 3 - חץ), um interceptador que destrói o míssil ainda fora da atmosfera. Assim como o Domo de Ferro, o Arrow 3 também tem um radar que calcula onde o míssil colidirá. A interceptação se faz sem uma explosão, com um impacto direto, uma vez que o Arrow 3 pode voar 9 vezes mais rápido do que a velocidade do som.
A terceira camada são o Arrow 2 e o THAAD, que atuam já na hora da queda, na atmosfera. O Arrow 2 também possui é uma tecnologia israelense, também possui um radar próprio, e atua entre 30 e 100 km de altura, explodindo o míssil com destino certo. Sua eficiência é maior contra mísseis com múltiplas ogivas. Já o THAAD é uma tecnologia estadunidense, desenvolvida muito recentemente e está sendo testada somente agora, nesta guerra entre Israel e o Irã. O THAAD tem seu radar ativado e funciona como uma espécie de mescla entre os Arrow 2 e 3: assim como o Arrow 3, ele não provoca explosão, e pode atuar fora da atmosfera, mas geralmente atua em distâncias mais baixas (dentro da atmosfera).
Estes três mecanismos interceptam cerca de 90 dos mísseis balísticos, sua eficiência não é total. Os mísseis hipersônicos, que voam com uma velocidade maior e podem mudar de direção, representam um desafio aos sistemas. E mesmo quando os Arrow 2 e 3 e o THAAD fazem o seu trabalho, os destroços podem ser muito perigosos. Aí entram a quarta e a quinta camadas, para interceptar os destroços e reduzir seus danos: a quarta é o sistema Funda de David, e a quinta é o famoso Domo de Ferro.
A Funda de David (em hebraico Kela David - קלע דוד) é uma tencologia israelense, usada desde 2017. Também possui seu próprio radar, e atua em velocidade supersônica contra mísseis disparados de uma distância de até 300 km. Sua colisão tampouco é explosiva, como o Arrow 3 e o THAAD. A Funda de David é útil contra alguns mísseis balísticos disparados pelo Hezbollah, por mísseis de cruzeiro e até contra drones. No caso dos mísseis balísticos, o sistema é usado para interceptar a queda de destroços contra áreas urbanas ou militares. O Domo de Ferro, cujo mecanismo você já conhece, também tem a mesma função no caso de mísseis balísticos.
A defesa civil e problemas
A sexta camada é a Guila. São as soldadas observadoras, localizadas em bunkers subterrâneos com acesso à informação dos radares, quem decide onde e quando tocar as sirenes, para que a população tenha tempo de correr para os abrigos. Diferente dos disparos de foguetes do Hamas, cujo alarme soa de forma quase automática pelo Domo de Ferro, no caso dos mísseis balísticos trata-se uma decisão humana, que deve interpretar rapidamente a situação e tomar uma decisão.
Mas nem tudo são flores. Cerca de 30% da população israelense não tem acesso a quartos protegidos nem abrigos públicos próximo às suas casas, sobretudo nas cidades árabes do país. Há notoriamente um descaso do poder público, algo já denunciado há anos, e que segue sem solução. Mesmo nos quartos protegidos, o atual conflito com o Irã resultou em pelo menos seis mortes de pessoas que tomaram todas as precauções, mas tiveram seus abrigos atingidos por uma colisão direta do míssil balístico, e o local não resistiu. Os quartos protegidos suportam uma colisão direta de foguetes e pequenos mísseis, e protegem as pessoas das consequências da explosão de um míssil balístico iraniano nas proximidades (inclusive no próprio edifício), mas não estão suficientemente fortes para resistir à colisão direta.
No momento em que eu escrevo, são 29 mortos pelos bombardeios do Irã contra solo israelense, seis deles abrigados da melhor forma possível. Mais um desafio para a defesa civil, que deve se empenhar, desde agora, para aprimorar a defesa dos abrigos - e construir onde não há.
Imagens:
Foto de capa: Criador: SVEN NACKSTRAND | Crédito: AFP via Getty Images https://www.armscontrol.org/act/2023-12/news/israeli-arrow-system-downs-first-missiles-combat
Fotos do quarto protegido: autor do texto.
Foto do abrigo: Entrance of public shelter in Sderot, Israel, Jewbask: https://he.m.wikipedia.org/wiki/%D7%A7%D7%95%D7%91%D7%A5:Sderot_Shelter.JPG














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